Reduzir o impacto ambiental da produção agroindustrial a partir da utilização de resíduos orgânicos desenvolvendo materiais sustentáveis – esse é o objetivo da Mush, startup acelerada pela VENTIUR por meio do Grupo de Investidores AgTech. A iniciativa da Aceleradora contempla startups que apresentaram soluções inovadoras para o agronegócio, fornecendo conexões, investimento, desenvolvimento e mentorias.
Com o uso de um único processo produtivo para atender diversos mercados, a Mush desenvolveu uma solução inovadora que utiliza resíduos provenientes da produção agrícola para desenvolver materiais sustentáveis, como revela o fundador da Mush, Eduardo Bittencourt Sydney. São utilizadas estruturas microscópicas para produzir materiais duráveis, biodegradaveis, sustentáveis e disruptivos.
Dentre os resíduos agroindustriais que o grupo pesquisa no momento estão a serragem, o resíduo do processamento de milho e o bagaço da cana de açúcar. O fundador comenta que a empresa utiliza resíduos agrícolas para o desenvolvimento do fungo (falaremos abaixo de maneira mais detalhada do processo), e a medida que ele cresce, vira uma cola, dando origem ao material, o qual é bastante resistente.
Ele disse que matéria prima é o que não falta no país. Os números são preocupantes em se tratando de riscos ao meio ambiente. A cada tonelada de materiais produzidos, outras duas toneladas de resíduos agrícola são gerados. “O Brasil é um mercado consumidor gigantesco, onde a gente tem resíduos agrícolas em quantidades absurdas e tudo isso acaba indo para o lixo”, observa Sydney.
Atualmente são desenvolvidos estudos com a utilização de fungos em todo o mundo (inclusive a Nasa está estudando essa tecnologia para produzir casas em Marte e na Lua), mas a pesquisa da Mush colocou o Brasil como detentor da tecnologia.
A partir dessa experiência, em 2020, em meio da pandemia da Covid 19, a empresa lançou sua primeira linha de placas acústicas feitas a partir desse material, e desenvolvidas em parceria com o Furf Design Studio. Esses materiais proporcionam conforto acústico para ambientes residenciais e corporativos, em substituição à tradicional espuma. A partir da análise feita com testes químicos e físicos, os pesquisadores observaram que, de acordo com a matéria-prima, o produto é altamente resistente a chamas e demora para entrar em combustão.
Aplicações de materiais sustentáveis para outros segmentos da indústria
Devido à versatilidade e robustez do material, além de aplicações para a área de arquitetura e design, a Mush atende mercados como o da construção civil e embalagens. Quanto à construção, por exemplo, é desenvolvido um produto que proporciona isolamento térmico, absorção acústica, baixa densidade, resistência mecânica e resistência à chama. A combinação desses fatores gera eficiência, segurança e sustentabilidade para o setor.
Com relação às embalagens, a proposta da Mush é substituir materiais descartáveis e não biodegradáveis por soluções sustentáveis e que possam servir a outro propósito que não apenas a armazenagem temporária de produtos. Inclusive, o material pode ser utilizado como adubo para o solo, sem causar qualquer dano ao meio ambiente. Sydney revela que o material é totalmente biodegradável e que se decompõe em condições ambientais em apenas 28 dias. Para chegarem a esse número, os pesquisadores realizaram um teste de compostabilidade em condições domésticas, o qual mostrou que o material de biodegrada em casa, seja no solo, na água salgada.
‘Nosso material é totalmente sustentável. Embalagens comuns, de plástico, duram até 500 anos. Todo o plástico produzido no Brasil, por exemplo, ainda está aí e deverá ficar no meio ambiente por um bom tempo até que se decomponha. Já o nosso produto em condições normais no ambiente se deteriora em menos de um mês’, enfatiza.
As embalagens biodegradáveis estão cada vez mais presentes no mercado como alternativa ao plástico, um dos principais poluidores do meio ambiente, e que sozinho é responsável por oito milhões de toneladas por ano de resíduos, que vão parar na água e no solo.
Levantamento da consultoria especializada em tendências de consumo Kantar, aponta que o consumidor está cada vez mais atento a questões relacionadas a práticas de sustentabilidade por parte das empresas. A pesquisa indica que 47% dos entrevistados acredita que os responsáveis por controlar e limitar o desperdício de plástico são os fabricantes dos produtos. Dentro desse contexto, as organizações/marcas que já aplicam tais iniciativas devem estar na preferência dos consumidores.
E como surgiu a Mush?
A Mush surgiu no final de 2019, no Laboratório de Fermentações do curso de engenharia de bioprocessos e biotecnologia do campus Ponta Grossa da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Na oportunidade, Sydney, que é professor da área de bioprocessos, junto com o estudante de iniciação científica do curso de engenharia química Leandro Oshiro estava desenvolvendo pesquisas com cogumelos comestíveis, quando percebeu o crescimento de um fungo a partir de determinados resíduos agroindustriais.
Ao analisarem o fungo de maneira mais detalhada, eles constataram que esses organismos davam origem a um bloco relativamente rígido, o qual possui propriedades relevantes para outros mercados, que não apenas a produção de alimentos. Esse foi o ponto de partida para uma pesquisa pioneira no país, que marcou o começo da trajetória da Mush. Em seguida, se juntou a dupla o pesquisador Antônio Carlos de Francisco, que trabalha com o tema sustentabilidade.
Segundo Sydney, ainda no mesmo ano a pesquisa foi submetida ao edital Sinapse de Inovação, da Fundação Araucária. Nessa etapa foi verificado que, ao combinar resíduos e fungos diferentes, o material obtido apresenta propriedades específicas. O resultado inicial desse processo foi a criação da Mushpack, que surgiu para atender especificamente o mercado de embalagens.
No entanto, após participarem de um programa de inovação aberta, os pesquisadores perceberam que poderiam atender outros segmentos, não ficando restrito apenas a um setor. “Validamos bastante coisa no laboratório e desenhamos a atuação da Mush. Olhando para essas características, vimos que podemos oferecer várias soluções para vários mercados, pois basta cultivar o material dentro do molde desejado”, salienta.
Empresa planeja expansão do negócio
Os aportes financeiros que a empresa recebe durante o processo de aceleração da VENTIUR estão permitindo que a Mush avance em seu plano de expansão dos negócios, o que inclui a busca por novos mercados.
Recentemente, a empresa montou sua primeira fábrica para produção de materiais também na cidade de Ponta Grossa. Além de ser a base da Mush, a cidade é um local estratégico do ponto de vista logístico para a distribuição dos produtos para diversas regiões do país.
Para atingir seus objetivos, a empresa quer ampliar sua equipe, com a adição de novas pessoas para o time de marketing de vendas. Além disso, conforme Sydney, a Mush também quer aperfeiçoar sua tecnologia e ampliar seu portfólio de produtos. “Nossa meta para 2021 era conseguir investimento, pois entendemos que poderíamos consolidar nosso negócio e colocar o produto no mercado. Quando recebemos a aceleração da VENTIUR, conseguimos implementar nosso planejamento de validação e consolidação do produto”, lembra.
Agora os desafios são ampliar a escala de produção e colocar o produto efetivamente no mercado. A expectativa é que o preço de produção do material seja de R$ 12,00 o quilo. Antes da pandemia, a produção do isopor custava em torno de R$ 10,00 o quilo, o que demonstra, que além de sustentável, o produto possui preços competitivos para conquistar esse mercado.
Durante o período de aceleração, a Mush esteve envolvida em uma intensa agenda de atividades, a qual inclui bootcamps, reuniões de acompanhamento e eventos de capacitação com foco no desenvolvimento dos empreendedores e seu time. Tais atividades envolvem palestras para transferência de conhecimento e workshops com exercícios práticos, que, dentre outras questões, auxiliam na validação do modelo de negócio. A VENTIUR é uma das principais aceleradoras de startups do Brasil e está sediada no polo tecnológico da Unisinos, o Tecnosinos, em São Leopoldo/RS.